Em quem votará Sócrates

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As eleições de 4 de outubro têm uma importância determinante para o futuro do país. Há dois caminhos muito diferentes que podemos seguir. Sócrates dialoga com um eleitor indeciso e ambos chegam a uma conclusão.

É um facto indesmentível: Portugal viveu um dos períodos mais difíceis da sua história democrática quando um governo tomou medidas impensáveis. Aumento de impostos, corte nos salários da administração pública, eliminação de subsídios de natal e de férias, corte nas pensões, corte nos subsídios de desemprego e noutras prestações sociais, e podia continuar até à exaustão. Chegou agora o momento em que o povo pode decidir se deseja continuar com os políticos que implementaram as políticas mais duras de que há memória ou substituí-los pelos políticos que fizeram com que essas duras medidas se tornassem necessárias. Como não podemos deixar o «diabo» escolher por nós simulei um diálogo entre Sócrates (um filósofo português da atualidade) e um eleitor indeciso. Espero que a reflexão induzida por estas duas personagens fictícias o ajudem de alguma forma a decidir votar.

- Então ainda não decidiste em quem votar no próximo domingo? Mas qual é a tua dúvida? – Pergunta Sócrates.

- Esta é uma decisão importante que não pode ser tomada de ânimo leve. Não quero desperdiçar o meu voto e, acima de tudo, não quero ser enganado. Estou farto de me dececionar com os políticos que temos.

- Só nos sentimos enganados se elevarmos demasiado a nossa expectativa. Temos tendência a achar, no nosso íntimo, que o político em que votamos é um herói que irá conduzir a nossa nação ao triunfo. Não o dizemos em voz alta, mas no fundo é essa a nossa expectativa; que os políticos deveriam ser sobre-humanos, seres perfeitos, mas essa não é a realidade. Os políticos são pessoas absolutamente normais, com fraquezas, com defeitos, e eventualmente com algumas virtudes que, por vezes, a nossa desilusão nos impede de observar. Se me disseres que, pelo menos, deviam estar melhor preparadas para os cargos que irão desempenhar, concordo em absoluto. Mas, de uma forma geral, há uma característica transversal a todos os partidos: são constituídos por pessoas normais, imperfeitas com tu e como eu. No fundo são o reflexo da sociedade de onde emergem. Se queres melhores políticos melhora a sociedade que os produz. Por outro lado, melhorar a sociedade depende muito da classe política. É um círculo vicioso que terá de ser quebrado, mas isso é uma reflexão para outro dia.

- Estou indeciso entre os dois grandes blocos que têm hipóteses de governar. O Partido Socialista ou a Coligação (PSD e CDS/PP)? Será o PS capaz de fazer crescer a economia, criar emprego, melhorar a vida dos portugueses? E o atual governo, só fala do passado, da governação do teu homónimo José Sócrates.

- Sim, José Sócrates é incontornável. É verdade que o povo já o julgou nas últimas eleições elegendo o atual governo. Mas também é verdade que o PS, agora de António Costa, não aceita essa derrota, não assume qualquer erro desse período. Continua a afirmar que a culpa é essencialmente do Partido Social Democrata porque, apesar de na altura ter deixado passar o PEC 1, PEC 2 e PEC 3, não deixou passar o PEC 4 e, por esse motivo, chegou a Troika e a austeridade.

- Mas o Partido Socialista tem um programa com as «contas feitas» e promete baixar a TSU em 4%, eliminar a sobretaxa do IRS, reduzir o IVA da restauração, criar mais uma prestação social para trabalhadores com carência económica, baixar e eliminar algumas taxas moderadoras, e com isto estima criar 207 mil postos de trabalho e fazer crescer a economia.

- São essas «contas feitas» que me assustam. É a velha teoria keynesiana1 que aumentando o rendimento disponível, o consumo interno aumenta, fazendo crescer a economia (aumentando o PIB2). O problema é que esse modelo já mal funciona em países com fronteiras fechadas e com moeda própria devido à globalização. Num país como Portugal, com livre circulação de bens e sem a ferramenta da desvalorização da moeda esse modelo pode até funcionar ao contrário se não houver medidas que impeçam o desequilíbrio gerado na balança comercial. Como importamos muito do que consumimos esse excedente de rendimento vai parar ao PIB de outros países e o endividamento externo do país aumenta. Nos últimos anos de Sócrates verificou-se esse efeito. Em 2010, por exemplo, gastou-se imenso provocando um défice de 8,6% do PIB (mais tarde corrigido para 9,1%) para gerar um crescimento do PIB de apenas 1,4%. Se eu gasto 9,1 para receber 1,4 estou a fazer algo de muito errado. Sou da opinião que o aumento do consumo interno não deve ser induzido por políticas artificiais. Devemos ficar satisfeitos quando ocorre naturalmente como um reflexo da melhoria das condições de vida das pessoas. Os estímulos, quando necessários, deverão ser do lado do investimento dando prioridade a projetos de comprovado retorno económico ou social e limitar os projetos que onerem os orçamentos de estado futuros.

- Estou a ver, pelas tuas críticas, que não confias no caminho traçado pelo PS.

- Sinceramente, não me parece que o PS esteja à altura dos desafios que o país tem pela frente. Começou por negar a responsabilidade do acordo com a Troika. Quando confrontado com a evidência da assinatura no memorando já dizia que o PSD tem culpa porque foi além da Troika. Rejeita toda e qualquer política de austeridade dizendo que a solução é bater com o pé em Bruxelas. António Costa chegou a afirmar perentoriamente que devíamos ter feito como o Syriza, da Grécia, e desafiar as instâncias europeias exigindo renegociação da dívida, mais financiamento a custos reduzidos e sem exigência de austeridade. Normalmente, na política, pode-se fazer afirmações deste género sem que a nossa credibilidade seja afetada pois nunca poderemos saber quais as consequências da política alternativa que defendíamos. Mas para perceber o que nos teria acontecido se fizéssemos como o Syriza e como António Costa preconizava basta-nos olhar para a história muito recente. Vemos a Grécia a fechar os bancos e a limitar os levantamentos a 60€ por dia por pessoa. Gerou-se o caos e o governo Grego viu-se obrigado a aceitar um novo pacote de austeridade muito mais exigente que o anterior. Penso que a vida raramente nos proporciona estas oportunidades de ver o futuro alternativo, se escolhermos um caminho e não outro.

- Isso quer dizer que confias na coligação e no atual governo? – Continuou o eleitor indeciso.

- Pedro Passos Coelho entrou no governo e no dia 28 de julho de 2011 foi forçado a tomar medidas opostas ao que tinha prometido em campanha devido ao desvio colossal encontrado por Vitor Gaspar. Foi uma machadada na sua credibilidade logo após a partida. Nem teve direito ao estado de graça típico de quem é eleito de fresco. Poderia ter tomado medidas diferentes com menos custos para as pessoas? Talvez. A medida mais grave que, para bem de todos, teve o bom senso de não a implementar, foi o aumento da TSU para os trabalhadores e diminuição para os patrões. Pedro Passos Coelho está muito longe de ser perfeito. Mas eu também nunca tive essa expectativa. Recordas-te de algum primeiro-ministro que estivesse perto da perfeição? Claro que não. Mas admito que concordo com as linhas macroeconómicas que suportam a sua política: a principal para mim é não deixar fugir o equilíbrio na balança comercial conseguido após 70 anos. Muitas medidas são más, outras péssimas, outras boas, mas isso tem muito a ver com a forma como cada um olha para os diversos aspetos da sociedade. Também não posso deixar de notar que, pela primeira vez, um ministro teve que lutar contra os grandes interesses instalados. Contra os grandes grupos económicos e financeiros que gravitam à volta do estado, habituados a terem o seu apetite satisfeito à custa do orçamento de estado.

- Pois. Mas fez cortes pequenos. Não podia ter ido mais longe? – Pergunta o eleitor indeciso.

- Se podia ou não é difícil responder. Penso que é sempre possível fazer mais e melhor. Mas a verdade é que todos os governantes anteriores distribuíam privilégios criando parcerias público-privadas cujo prejuízo para os contribuintes era por demais evidente. Este governo, pela primeira vez, teve que renegociar esses contratos assinados e bem blindados por sociedades de advogados. Não deixa de ser curioso observar as críticas a essa renegociação feitas pelas pessoas que assinaram esses contratos criando esses negócios ruinosos.

- Sou sincero. Custa-me votar em alguém que me diminuiu o rendimento, que se esqueceu de pagar à segurança social, que prometeu uma coisa e fez outra. Mas votar é fazer uma escolha e, neste momento, a escolha é entre Pedro Passos Coelho e António Costa. A coligação, por conseguir sair do resgate, merece a oportunidade de mostrar o que vale num período igualmente difícil mas que se espera um pouco menos conturbado. Este PS, com as mesmas pessoas, sem assumir os seus erros, e com as mesmas políticas vai acabar por traçar um caminho que, daqui a menos de uma década, poderá significar um novo resgate.

- Não sei se toda a gente vai conseguir ultrapassar essa mágoa. Houve muita gente atingida pelas políticas de austeridade. Quase toda a gente viu o seu rendimento diminuir substancialmente. E o comum do cidadão não tem tempo nem paciência para refletir a fundo nesta difícil mas importante escolha. Se a emoção prevalecer é possível que o PS vença. Se, por outro lado, a razão se fizer sentir com mais força, as hipóteses são maiores para o lado da coligação.

 

1 Teoria Keynesiana – referente a John Maynard Keynes, autor da obra Teoria geral do emprego, do juro e da moeda.

2 PIB – O Produto Interno Bruto é um indicador macroeconómico que contabiliza o valor total da produção de um país.

 

Nota do Autor: Peço desculpa se o título do artigo o induziu em erro. Admito que seria mais interessante observar um diálogo entre José Sócrates Pinto de Sousa com um eleitor. O texto seria muito diferente, mais divertido, mas muito menos esclarecedor.