O Percurso do Desastre

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No programa da TVI24 “Olhos nos Olhos” do dia 9 de Setembro de 2013, o Prof. Medina Carreira, em jeito de revisão da matéria do ano anterior após as férias, fez uma exposição simples, embora contendo todos os pormenores essenciais, do percurso que conduziu Portugal à profunda crise actual.

Pretende-se com este artigo esclarecer os leitores utilizando a argumentação bem fundamentada do Professor Medina Carreira e as suas afirmações contundentes e despreocupadas.

As causas do desastre

A seguir ao 25 de Abril de 1974, o Estado começou a ter uma maior preocupação social e, consequentemente, as despesas de caris social aumentaram. Num primeiro momento, este acréscimo foi compensado pela forte diminuição das despesas militares. Quando essa compensação se esgotou, as despesas sociais continuaram a aumentar sendo financiadas através do aumento de impostos e outras contribuições. Os impostos foram-se agravando ao ponto de produzir um profundo efeito de asfixia sobre a economia. A economia estagnou e os decisores políticos fecharam os olhos a essa realidade. E continuaram a gastar… Até que o Estado entrou em pré-falência.

O crescimento médio anual do PIB na década de 70 foi de 4,5%. Na década de 2000, desde o início do Euro, crescemos 0,2% ao ano. A esta queda no crescimento económico, os nossos políticos fizeram corresponder um aumento progressivo da despesa.

O crescimento baqueou, o desemprego explodiu e nunca temos a certeza se há alguém disponível para nos emprestar dinheiro a taxas suportáveis.

O peso das actividades que produzem os bens transacionáveis, a agricultura e a indústria, passou de 49% do PIB em 1980 para 20% do PIB em 2010. Este problema, infelizmente, não é exclusivamente português. É também um problema europeu. A doença da europa não é só, nem principalmente, por causa do Euro. O grande problema, e a verdadeira origem da crise, é a desregulamentação do comércio internacional que provocou a desindustrialização da europa. Os decisores políticos europeus deixaram que as suas indústrias migrassem para a ásia, à procura de mão-de-obra barata, e não se protegeram minimamente. As mercadorias passaram a ser produzidas nesses países e os capitais foram atrás das mercadorias.

Neste ponto do programa, Judite de Sousa pergunta ao Prof. Medina Carreira se Portugal não se deveria concentrar nos serviços, aproveitar o sol e a praia, promovendo o turismo, por exemplo.

Temos que ter consciência que os serviços relacionados com o turismo, por exemplo, não geram muitos empregos de alto valor. Os serviços deverão ter sempre o seu papel, e o seu peso, na estrutura económica do país; principalmente os serviços de alto valor acrescentado. Mas, mesmo os Estados Unidos, por exemplo, que estão no topo dos serviços de alto valor acrescentado, não têm um peso superior a 4% do PIB neste tipo de serviços. O grande problema da Europa, e mesmo dos Estados Unidos, é terem abandonado a indústria. Na América, com os juros baixos e alguns mecanismos curiosos do FED (Reserva Federal) ainda conseguem imprimir algum, embora anémico, crescimento do Produto, mas aqui na Europa não é possível manipular a moeda. A estrutura económica portuguesa praticamente só cria empregos em serviços de baixo valor, com baixos salários, do tipo: lavar automóveis, transportar malas, servir às mesas, limpezas, etc… Essa história de que o país devia apostar nos serviços (ainda mais), e que Portugal poderia ser um país de serviços é mais uma ilusão que os políticos vendem ao país. E este país tem vivido de ilusões.

Evolução da Despesa Pública e dos Imposto por década (% PIB)

Despesa Pública em 2000, 2005 e 2010 (Milhares de milhões de euros)

Estes últimos gráficos mostram como se agravou o diferencial entre o que se gasta, e o que se cobra dos cidadãos através dos impostos. Em 2010, o Estado chegou ao limite surpreendente de receber dos cidadãos 60 mil milhões de euros, e gastar 89 mil milhões de euros, gerando um défice de quase 30 mil milhões. Os deficits terão de ser financiados pela emissão de dívida pública que se vai acumulando, e gerando mais encargos com os juros.

A evolução da dívida pública

Valeria a pena percebermos, com mais pormenor, quais são as despesas que mais crescem. A rúbrica que mais contribuiu para o aumento exponencial da despesa foram as Prestações Sociais.

Estrutura da Despesa Pública

Medina Carreira afirma que é a favor do Estado Social. Mas do Estado Social possível com os recursos que temos e não do Estado Social que achamos que devíamos ter. Há muitos políticos que acham que o Estado Social se pode alimentar de empréstimos. Não é possível! De ano para ano, a fatia disponível será menor pois é necessário pagar os juros. Com dinheiro emprestado, conseguem enganar a sociedade durante algum tempo! E os anos em que estas despesas mais subiram foram precisamente anos eleitorais.

Em 1990, por cada 10€ que o estado cobrava de imposto aos cidadãos, 2€ eram para os pensionistas. Em 2010, dos 10€ cobrados de impostos, já são 4€ para os pensionistas.

Judite de Sousa recorda a Medina Carreira que se não fosse o BPN e o BPP e outros casos do género a questão não seria tão grave.

Na resposta, o professor afirma que esses casos são graves, mas só acontecem uma vez. O problema das pensões manifesta-se todos os meses. O BPN é um caso muito grave, mas não deve servir para atirar poeira para os olhos dos portugueses. O que registamos é que em cada 10€ de impostos que pagamos, 4€ são para pagar pensões.

Ajustamento pelo corte de despesa

Se partirmos do princípio que o Estado não pode despedir nem baixar ordenados, o Estado não pode cortar nas pensões e prestações sociais, os Juros não dependem da vontade do Estado, resta-nos então as outras despesas, também chamados consumos intermédios e as despesas de capital (o investimento público) que totalizam 16 mil milhões de euros. Para atingirmos o equilíbrio entre despesas e receitas seriam necessários cortar 10 mil milhões de euros a esses 16. Será credível pensar que isto é possível fazer? Teríamos os edifícios do estado sem manutenção, não haveria dinheiro para pagar água, energia, gás, rendas, combustíveis, todo esse tipo de despesas. Não haveria um tostão para novos investimentos, por muito importantes que fossem.

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Ajustamento pelo crescimento económico

Mas se não podemos fazer cortes nas despesas mais sensíveis há sempre a alternativa do crescimento. Não há? Poderemos então resolver o problema fazendo crescer a Economia, como alguns políticos demagogicamente tentam fazer crer?

Com a mesma base de despesa, que totalizam cerca de 80 mil milhões de euros, seria necessário fazer crescer o PIB até aos 195 mil milhões de euros para que a colecta de impostos, mantendo a mesma carga tributária (que já é muito elevada), cobrisse esse nível de despesa.

Depois é só escolher um período de ajustamento, que alguns políticos brilhantes negociariam facilmente com a TROIKA, e chegamos ao valor médio de crescimento do PIB que seria necessário para atingirmos o equilíbrio.

  • Ajustamento em 2 anos: Crescimento médio de 8,7% ao ano
  • Ajustamento em 3 anos: Crescimento médio de 5,7% ao ano
  • Ajustamento em 4 anos: Crescimento médio de 4,3% ao ano
  • Ajustamento em 5 anos: Crescimento médio de 3,4% ao ano
  • Ajustamento em 6 anos: Crescimento médio de 2,8% ao ano

Para ajustar em dois anos teríamos que crescer ainda mais do que a China!

Recordo neste ponto da análise que Portugal, com um investimento fortíssimo entre 2000 e 2012, cresceu a uma média anual de 0,2%. Como seria possível, de repente, apenas porque alguns políticos demagogos o afirmam, que Portugal começasse a crescer a um ritmo suficientemente elevado para poder ajustar a sua despesa à sua receita. Mesmo em 4 ou 5 anos.

O Tribunal Constitucional

Em Portugal alguns quiseram fazer crer que o Tribunal Constitucional e a Constituição podem dar garantias às pessoas. Mas isso é, mais uma vez, uma ilusão. Só se pode garantir alguma coisa, se houver Economia, se houver dinheiro. A garantia do Credor está no património do devedor. Hoje o património português não é nenhum. Esta ideia de que podemos “dormir no quentinho” com o Tribunal Constitucional é uma ilusão. No dia em que não houver dinheiro para as pensões estará lá o Tribunal Constitucional para garantir o quê? Estamos a brincar com coisas sérias!

Em 1983, a crise foi muito menos grave do que esta. O Tribunal Constitucional de então foi sensível à situação delicada do país. Os juízes são nomeados politicamente e, por isso, deveriam estar aptos a decidir, não apenas com base do rigor da lei, mas sobretudo com a sensibilidade política que o momento exige.

Outros factores do desastre

O desastre não foi provocado apenas pelo problema das prestações sociais. É óbvio que as PPP (Parcerias Público Privadas), as Rendas da Energia, os SWAP, etc, também contribuíram, e muito, para o descalabro. Mas todos esses outros factores, e muitos ainda não fizeram sentir os seus efeitos, não justificam o desequilíbrio provocado pela subida das Prestações Sociais para níveis que a nossa economia não pode suportar.