Desafiando os Valores Éticos de Putin

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Os verdadeiros motivos de Vladimir Putin para o continuar do conflito na Ucrânia. Um esclarecedor artigo de opinião de Thomas Friedman (vencedor de um Prémio Pulitzer) para o New York Times.

Podemos falar da Ucrânia até que a vaca tussa, mas esta história é 95% sobre Vladimir Putin e sobre a forma como ele escolheu definir os interesses da Rússia. A realidade é que, a Rússia e os países vizinhos necessitam de um conceito diferente daquilo que são os seus interesses. No entanto, isto levanta uma série de questões: Poderá Moscovo alguma vez alterar a definição dos seus interesses estratégicos sob o comando de Putin? Se não, como poderá o mundo detê-lo sem fragilizar também a Rússia ao ponto de uma perigosa instabilidade? E se induzirmos essa instabilidade com sanções, saberemos o que virá a seguir e ficará o mundo melhor?

Penso que os Estados Unidos e a União Europeia fizeram exatamente o que deviam ter feito impondo sanções a Putin, tentando impedi-lo de destabilizar ainda mais a Ucrânia para que as eleições de 25 de maio não gerem um governo legítimo. Mas é bom que todos estejam preparados para as consequências de um sucesso.

Quando vivíamos num mundo de «muros» - durante a guerra fria – enfraquecer a Rússia era a estratégia que parecia ter apenas vantagens. Mas num mundo em rede, num mundo que não só está muito mais interligado mas também interdependente, os passos que dermos para enfraquecer a Rússia poderão voltar para nos assombrar. Quando o mundo está assim, tão interlaçado, não só os teus amigos te podem matar tão depressa como os teus rivais (o exemplo da Grécia), como o desmoronamento dos teus rivais pode ser tão perigoso como a ascensão de outros rivais (exemplo da Rússia e da China).

A Rússia ainda detém milhares de ogivas nucleares que necessitam de ser controladas. Precisamos da Rússia para ajudar a controlar a máfia, o tráfico de droga e o cibercrime. Precisamos de uma Rússia estável para servir de contrapeso à China, para ser um fornecedor global de energia e para poder proporcionar uma rede de segurança aos seus cidadãos mais idosos.

As sanções, pelo menos até ao momento, não estão a prejudicar a Rússia, mas, com o tempo, farão enfraquecer sua força, e, se alargarem, realmente vão doer. Será que Putin vai mudar? A globalização atual não garante que líderes mundiais não tomem decisões loucas, agressivas ou outras decisões que sacodem os mercados e aparentemente desafiam os seus próprios interesses económicos. Putin já confirmou isso mesmo. Mas isso significa que o preço que um autocrata está disposto a pagar por esse tipo de comportamento será quase sempre demasiado elevado, e chegará mais rápido do que o previsto.

Um conjunto muito limitado de sanções provocou já uma debandada no rebanho de investidores globais que retiraram já da Rússia quantias que ultrapassam os 50 biliões de dólares. A Standard & Poors acabou de cortar o rating da Rússia para um degrau acima do status de lixo, elevando seus custos de financiamento. Nesse mesmo dia, o banco central da Rússia aumentou a taxa de juro de 7 por cento para 7,5 por cento, para tentar evitar uma queda do rublo. Mesmo assim a moeda da Rússia perdeu quase 8 por cento em relação ao dólar este ano, enquanto o seu mercado de ações está a baixar 13 por cento.

Não tenho qualquer alegria ao ver a Rússia colocada sob stress económico, e devemos estar preparados para levar em conta os seus interesses legítimos de proteger as suas fronteiras. Mas o problema real é a forma como o Presidente Putin define esses interesses. É falacioso. Afinal, o que é que a Ucrânia está a tentar fazer? Albergar misseis nucleares norte-americanos? Não. Associar-se à NATO? Não. Nem sequer é tentar tornar-se membro da União Europeia. A Ucrânia pretende apenas assinar um acordo de associação que irá proporcionar às empresas ucranianas um acesso mais irrestrito aos mercados europeus. O acordo irá também obrigar a economia ucraniana a respeitar alguns regulamentos da União Europeia que farão o país evoluir socialmente e tornar a sua economia mais competitiva a nível mundial. Os ucranianos desejam importar normas comunitárias, não mísseis da NATO!

Na realidade, é o que Putin deveria estar a tentar fazer por o seu país, em vez de tentar impedir que os seus vizinhos se associem à Europa. Mas Putin está focado em construir um estado poderoso, e não na prosperidade do seu povo. Ele quer o controlo político total para roubar quantias avultadas, para ele e seus comparsas, enquanto distrai o povo russo com os demónios ocidentais. Estes não são interesses geopolíticos que temos que respeitar.

A Ucrânia não está a ameaçar a Rússia, mas a revolução da Ucrânia está a ameaçar Putin. O principal objetivo da revolta da Ucrânia é importar um sistema de regras da União Europeia que irá quebrar a cleptocracia que dominou Kiev – o mesmo tipo de cleptocracia que Putin quer manter em Moscovo. Putin não se incomoda se os alemães vivem pelas regras da europa, mas quando os seus camaradas eslavos, como os ucranianos, querem o mesmo, isso representa uma ameaça à sua própria casa.

Não deixe que ninguém o convença que as sanções não fazem sentido e que a única forma de influenciar a Rússia é colocar os tanques em movimento. (Putin adoraria isso. Seria um «toca a reunir» para todo o povo russo à sua volta.) Se nos temos que preocupar com alguma coisa será com o efeito das sanções, se funcionarem bem demais. Não deixe que ninguém lhe diga que estamos a desafiar o espaço geopolítico da Rússia. Não estamos. A verdadeira questão aqui é que os ucranianos, individual e coletivamente, estão a desafiar os “valores éticos” de Putin.

Não os poderíamos parar nem que quiséssemos. Eles foram dinamizados pela globalização e pela revolução tecnológica. Habitue-se a isso, Camarada Putin.

Por Thomas L. Friedman, New York Times, 29 de abril de 2014 (traduzido por Miguel Vieira Pinto)
Este artigo foi publicado na versão impressa do New York Times na edição de 30 de abril de 2014 com o título: Challenging Putin’s Values.

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