O Salário do Medo

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A sabedoria convencional pode ser algo terrível. Em outubro de 2009 todas as pessoas sérias começaram a dizer umas às outras que a dívida pública era a principal ameaça às economias desenvolvidas, e que as políticas de austeridade eram urgentes.

Medo do aumento dos ordenados

Sabemos agora no que é que isso resultou. Nos últimos meses tenho observado uma nova tendência da sabedoria convencional a tomar lugar – entre um grupo mais restrito e mais técnico, mas ainda assim. De acordo com este ponto de vista, a folga económica está a desaparecer rapidamente; e mesmo apesar de ainda termos um enorme desemprego, estamos a ficar sem trabalhadores empregáveis, e uma perigosa aceleração do ritmo do aumento dos salários está já em marcha. É tempo de subir as taxas de juro!

O problema é que esse aparente e emergente consenso está completamente errado. Na realidade, está errado em pelo menos quatro maneiras distintas.

Estaremos mesmo a assistir a um aumento generalizado de salários?

Em primeiro lugar, a impressão generalizada, após o último relatório de emprego, de que estamos a assistir a um aumento generalizado nos salários é, provavelmente, Snow Job (Trabalho de neve – que significa um equívoco deliberado). Literalmente. Uma equipa do Goldamn Sach aponta que o valor dos salários médios pagos à hora têm um pico máximo após um período de tempo frio. Porquê? É um efeito composto: os trabalhadores que param de trabalhar devido ao mau tempo tendem a ser trabalhadores pagos à hora, normalmente pior remunerados que os trabalhadores com salário fixo. Assim, o trabalhador médio num mês de nevões é mais qualificado e melhor pago do que num mês normal porque os trabalhadores mais mal pagos não estão a trabalhar, não contribuindo para a descida da média. O ligeiro desvio na medição dos salários é um artifício estatístico, e não um sinal real do mercado laboral.

Apenas um indicador do mercado de trabalho

Em segundo lugar, quase todo o debate sobre o aumento de salários é conduzido por apenas um indicador do mercado de trabalho, o salário médio dos trabalhadores (não supervisores). Outros indicadores como a média de todos os funcionários e o índice do custo do emprego já contam uma história diferente. Apresento de seguida três medidas para que possa ter uma perceção da subida dos salários.

Múltiplos indicadores do mercado de trabalho não comprovam teoria.

E agora observemos os trabalhadores (não supervisores).

Média de salários pagos à hora e índice do custo do emprego

A Goldman Sach tem um indicador composto que mostra, no máximo, uma ligeiríssima aceleração.

Indice compósito do desemprego da Goldman Sach

É assim tão mau aumentar salários?

Em terceiro lugar, será o aumento de salários assim tão mau? Os incrementos de ordenados estão ainda muito abaixo dos níveis pré-crise, e tudo o que aprendemos com esta crise – basicamente sobre os perigos dos dois zeros – diz-nos que os aumentos de salários antes da crise, e a inflação de uma forma geral, eram muito baixos. E para obter ganhos salariais até onde eles deveriam estar se não tivesse existido crise necessitamos de um período de pleno emprego.

Os pressupostos estão errados – voltamos à antiquada curva de Philips

Em quarto lugar, há boas razões para acreditar que todos estão a partir de um paradigma errado. Desde os anos 70, os manuais de macroeconomia – que refletiam a experiência dos anos 70 – assumiam um quadro aceleracionista, em que o baixo desemprego não levava apenas ao aumento de salários, mas também a um ritmo cada vez mais crescente de aumentos salariais. Mas os dados atuais não se parecem com isso desde há muito tempo. Desde meados da década de 90, de facto, os dados parecem-se muito mais com a ultrapassada e tradicional curva de Phillips, com uma relação entre a taxa de desemprego e o nível de aumento dos salários, não a taxa de variação do aumento de salários. O gráfico seguinte representa a comparação entre o desemprego com o aumento percentual dos salários dos trabalhadores não supervisores para o período desde 1995.

Taxa de desemprego e a antiga curva de Philips

Porque é que a tradicional curva de Philips reapareceu? Em parte, talvez, graças a expectativas de inflação ancoradas; em parte porque com taxas de inflação baixas a rigidez salarial nominal começa a fazer-se sentir. A questão é que o aperto que pretendem para controlar os aumentos de salários (que são apenas ligeiros) pode acabar por condenar a economia a uma situação de maior desemprego permanente que teríamos se a Reserva Federal (Fed) estivesse disposta a permitir que os salários subissem.

Eu posso estar errado sobre tudo isto, e a sabedoria convencional pode estar certa? Sim, e isso já aconteceu. Mas considerem apenas os riscos relativos. Se a Fed se acalmar sobre o tema aumentos de salários e deixar a economia crescer, o pior que poderia acontecer seria um aumento modesto da inflação. E recordem-se que aumentos ligeiros da inflação são sempre bem-vindos. Por outro lado, se o Fed aperta prematuramente, poderá acabar a prender-nos numa inflação muito baixa ou em deflação. Concluiria assim a japonificação da economia dos Estados Unidos, deixando-nos cair numa armadilha da qual é muito difícil sair.

Por isso nada de entrar em pânico sobre o aumento dos salários, está bem? A única coisa que temos a temer é o medo do pleno emprego em si.

Traduzido e adaptado pelo Portal Código Postal do Blogue The Conscience of a Liberal no New York Times (ler texto original em inglês)

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