Salário mínimo – aumentar, ou não, eis a questão

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Ciclicamente lá nasce o debate entre esquerda e direita, poder e oposição, ou sindicatos e patrões, sobre o aumento do salário mínimo. Será assim tão evidente que aumentar salários beneficia a economia, ou há algo mais que nãos nos contam.

É recorrente ouvirmos responsáveis políticos dizer que é necessário aumentar o consumo interno para que a economia possa crescer. O aumenta do salário mínimo aparece como a medida milagrosa por parte dos partidos de esquerda, mas por vezes também dos de direita, que irá proporcionar crescimento económico imediato. Se é assim tão evidente porque é que não se faz? Chegamos até a ouvir dirigentes de associações patronais a defender essa medida.

Infelizmente a realidade económica não é tão simples e linear como por vezes os políticos, principalmente os que não têm a responsabilidade de governar, a quer fazer passar.

O argumento de quem defende o aumento do salário mínimo é baseado na ideia que com este aumento as pessoas terão mais dinheiro para consumir, e ao consumirem irão proporcionar crescimento económico; o tal aumento do consumo interno, ou da procura interna. Pois isso pode ser verdade, pode ser em parte verdade, ou pode não ser, de todo, verdade. Existem muitas outras variáveis em jogo que este pensamento simplista não prevê.

O crescimento económico é internacionalmente medido pelo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). O PIB representa, em valor monetário, a dimensão da economia de determinado país. A sua variação real (descontando a inflação) de um ano para o outro mede o crescimento económico desse país. O PIB é a soma, em valor monetário, de toda a produção do país e pode ser calculado:

PIB = C (Consumo) + I (Investimento) + G (Despesa Pública) + X (Exportações) – M (Importações)

Ver artigo Compreender o PIB

E, de facto, é fácil constatar que o Consumo é diretamente proporcional ao PIB. Se fizermos aumentar o Consumo em 100 o PIB também tem que aumentar 100. Isso até seria verdade se conseguíssemos que as outras variáveis se mantivessem inalteradas. O problema é que, em economias com balanças comerciais desequilibradas ou pouco competitivas, o aumento do consumo não irá provocar o correspondente aumento da produção. Irá provocar, pelo menos em parte, um aumento das Importações. Para agravar a situação, a medida que serve para estimular o consumo é, só por si, uma medida que prejudica a competitividade das empresas (acréscimo de custos com salários). Imaginemos um estímulo de 100 unidades monetárias no consumo que poderá, por exemplo, representar um acréscimo de 50 no PIB, e de 50 nas importações.

PIB + 50 = C + 100 + I + G + X – (I + 50)

Seria ótimo pois o PIB cresce 50 u.m. e o objetivo fica cumprido. Mas infelizmente há o problema da balança de pagamentos, que representa o equilíbrio entre todo o dinheiro que entra no país e todo o dinheiro que sai do país. Teríamos que pagar mais 50 u.m. ao exterior o que, na prática, iria absorver todo o crescimento conseguido.

Não posso, nem quero, afirmar que um pequeno aumento do salário mínimo em Portugal, neste momento, será prejudicial à saúde da economia. Um pequeno aumento, eventualmente para os 500€ x 14 (dos atuais 485€ x 14) seria provavelmente neutro para competitividade das empresas e teria um efeito psicológico positivo sobre a economia, nada mais do que isso. Mas não podemos esquecer que a taxa de desemprego é superior a 15% e, no que diz respeito a novas contratações, o aumento do salário mínimo poderá revelar-se bastante inibidor. Para minimizar este efeito não seriam de ignorar medidas que pudessem estabelecer salários mais baixos que o mínimo para o primeiro ano de trabalho numa nova contratação, por exemplo.

Pretendi com esta reflexão desmistificar algum do discurso simplista que os políticos utilizam para justificar as suas ideias e opções ideológicas. Termino com a descrição de um momento histórico, contado como um caso de sucesso, que é a criação do salário mínimo em 27 de Maio de 1974. Avelino Pacheco, sindicalista ligado ao partido comunista que era, à época, ministro do Trabalho recorda, numa entrevista ao Público, que a economia cresceu impulsionada pelo novo poder aquisitivo dos operários. Essa entrevista despertou-me uma enorme curiosidade levando-me a consultar os dados económicos dessa altura. Constatei que Avelino Pacheco estava profundamente enganado. O PIB Real, no ano seguinte, em 1975, recuou 5,5%. Não, Avelino Pacheco não mentiu, mas caiu na ilusão monetária da época pois a inflação registada nesse ano foi de cerca de 21%. Ocorreram muitas falências de empresas pois essa alteração brusca, juntamente com o congelamento dos preços de alguns produtos para tentar travar a inflação, fez cair a pique a competitividade de alguns setores da economia. Ainda hoje em Lisboa se pode observar grandes áreas industriais devolutas, consequência desse período histórico. O desemprego, até aí praticamente inexistente, com taxas tipicamente entre 1,5 e 2,5%, subiu consistentemente até atingir o pico de 8,5% em 1986, altura da adesão à CEE (atual União Europeia).

Gráfico com a evolução da taxa de desemprego em Portugal de 1932 até 2010.

É óbvio que alguns trabalhadores passaram a auferir de um rendimento maior, melhorando a sua qualidade de vida. Mas existe o reverso da medalha, os que perderam o emprego e nunca mais conseguiram trabalhar pois as taxas de desemprego subiram sempre. Os 3.300$00 mensais aprovados foram demasiado ambiciosos para a economia da altura. Acabaram por ter que corrigir o problema com a política monetária, desvalorizando sistematicamente o escudo, fazendo com que a inflação tenha sido quase sempre superior 20% até à adesão à CEE (União Europeia).

Para ler a seguir: Gestão da Manutenção: o que é?