Impostos e analistas

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O orçamento de estado para 2013 está a provocar um grande debate na opinião pública e está também a deixar a nu a falta de rigor e preparação técnica da maioria dos jornalistas, mas sobretudo dos célebres analistas que, de canal de televisão em canal de televisão, vão opinando sobre todas as matérias como se de tudo fossem especialistas.

O mito da soma das taxas

Com a criação de mais um escalão de IRS e com a aplicação da sobretaxa de 4% para toda a gente e uma taxa de solidariedade para o último escalão, a maior parte dos jornalistas e comentadores, alguns deles economistas de renome, insistiram na ideia que quem ganha acima de 80.000€, por exemplo 84.000€ (6.000€/mês x 14 meses), entrega 65,5% do seu rendimento ao estado restando-lhe apenas cerca de 2.070€ por mês. Fazem este cálculo somando as diferentes taxas de IRS (48%+4%+2,5%) e acrescentam a contribuição para a segurança social de 11% que de facto dá 65,5%.

Para demonstrar que esse erro de cálculo, além de ser grosseiro, demonstra um desconhecimento total do sistema progressivo de IRS que o torna mais justo até para quem ganha muito mais.

Cálculo detalhado do imposto

Numa primeira fase, ao rendimento bruto auferido pelo contribuinte, no nosso exemplo são 84.000€, subtrai-se uma parcela chamada Dedução Específica que equivale, na Categoria A, ao maior de dois valores:

  • 72% de 12x Salário Mínimo Nacional = 4.180,40€
  • Contribuições para Segurança Social = 9.240,00€

O cálculo do rendimento colectável é igual ao Rendimento Bruto deduzido das deduções específicas. No nosso exemplo:

Rendimento Colectável = 84.000€ - 9.240€ = 74.760€

É com base neste rendimento colectável que determinamos o escalão de rendimentos do contribuinte. Verificamos que, no nosso exemplo, este contribuinte nem sequer está no escalão máximo.

Taxa a aplicar ao nosso contribuinte: 45%

Importância apurada (Rendimento Colectável x Taxa): 74.760€ x 45% = 33.642,00€

O cálculo seguinte é o que garante a verdadeira progressividade do imposto.

Coleta = Importância Apurada – Parcela a Abater
Coleta = 33.642€ – 5.880€ = 27.762€

O IRS é um imposto por escalões, mas é também progressivo. Muita gente receia passar para o escalão seguinte porque poderá vir a pagar mais IRS de que o acréscimo de rendimento. Isso poderá verificar-se na retenção na fonte mas nunca após o apuramento do imposto. O contribuinte que se encontra num escalão mais alto vai pagar IRS às taxas mais baixas até ao valor do limite máximo de cada escalão.

No nosso exemplo, o rendimento colectável é de 74.760€ mas não será todo pago à taxa de 45%. Na realidade o que acontece é que pagamos por partes do rendimento:

Esta operação perfaz o valor de 27.762€, que é idêntico ao valor calculado aplicando a taxa à totalidade do rendimento colectável e subtraindo a tal enigmática parcela a abater.

Este item, Parcela a Abater, tem como objectivo único facilitar o cálculo da progressividade do imposto.

A partir daqui são feitas as deduções à colecta, que passam a ser quase nulas nesta classe de rendimento (limite de 500€), e deduz-se ainda imposto retido (retenção na fonte), pois já foi adiantado ao estado.

Falta-nos apenas adicionar a sobretaxa que, se vigorarem as regras de 2011, abrange todos os contribuintes, residentes fiscais em Portugal, e incidirá apenas sobre a importância que exceda o valor anual da retribuição mínima mensal garantida (6.790€ por sujeito passivo).

Valor da Sobretaxa: (Rendimento Colectável – 6.790€) x 4% = 2.718,80€

Total de IRS suportado por este contribuinte:

27.762€ + 2.718,80€  - 500€ = 29.980,80€

De qualquer forma apuramos que um rendimento bruto de 84.000€ pagará um valor muito próximo de 29.980,80€ de IRS e 9.240€ descontados para a segurança social ficando com um rendimento disponível de 44.779,20€. Dá ao estado cerca de 46,7% que é muito diferente dos 65,5% que os comentadores e jornalistas menos informados avançaram.

Não pretendo com este artigo defender este nível de impostos. Esta carga fiscal é asfixiante para os contribuintes e para a economia em geral. Pretendo apenas alertar para a falta de rigor das peças jornalísticas e principalmente, para a falta de competência de alguns comentadores da área económica.