Competitividade e justiça fiscal

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Mais um conjunto de medidas são anunciadas pelo nosso primeiro-ministro que agravam severamente a situação já delicada de muitos portugueses que lutam diariamente para respirar neste mar tormentoso que se tornou o nosso país.

Pretende-se agora diminuir em 7% o rendimento de todos os trabalhadores portugueses e beneficiar as empresas com uma diminuição da taxa social única de 5,75%. A diminuição da TSU para as empresas seria, sem dúvida, uma excelente medida, isto se a contrapartida não fosse tão prejudicial para as pessoas, para as microempresas, e para a economia de uma forma geral.

As peças simplesmente não encaixam. Os bens de primeira necessidade subiram de preço, a energia, os transportes, os combustíveis, tudo aumentou. Já tínhamos, antes da crise, uma percentagem relativamente elevada de pessoas com ordenados pouco superiores ao ordenado mínimo. Com cálculos muito simples percebemos que metade da população portuguesa vive com o rendimento no limite das despesas mais básicas. Não me parece nem justo, nem benéfico para a competitividade da nossa economia uma medida deste tipo.

O país tem um problema e tem que o resolver. A consolidação das contas públicas e diminuição da despesa do estado deverá ter que continuar, mas do lado da receita, a arrecadação de impostos sobre o rendimento e sobre o consumo deveria diminuir consideravelmente sendo compensada por uma taxa sobre o património mobiliário (Depósitos Bancários, Activos Financeiros, etc). Miguel Cadilhe chegou a falar num tributo único de 4% que poderia render entre 16 mil a 25 mil milhões de euros, utilizado para amortizar a dívida pública. O que eu defendo é um imposto sobre o património mobiliário (já existe sobre o património imobiliário que é o IMI), com taxas escalonadas, e sobretudo que substitua impostos que penalizam cidadãos com menores rendimentos, como o IVA sobre bens essenciais, e os escalões mais baixos de IRS. As taxas deverão ser razoáveis não ultrapassando o limite da rentabilização do capital.

Este imposto não deverá ser declarado, mas sim apurado pela máquina fiscal. Os bancos e outras instituições que depositam activos financeiros deverão estar informaticamente preparadas para entregar no Banco de Portugal os saldos dos activos financeiros de cada contribuinte na data estipulada que enviará para as Finanças processarem o imposto.

Uma consequência deste novo imposto é que passará a ser possível verificar as variações de património e compará-las com os rendimentos. Acredito que uma parte da economia escondida poderá começar a espreitar à superfície.

Para os críticos deste imposto recordo que hoje em dia temos o IMI, que é um imposto que pagamos sobre um património que praticamente fomos obrigados a adquirir, que é a nossa habitação. A maioria das pessoas é detentora desse património através de uma hipoteca, ou seja, de um empréstimo cuja garantia é esse mesmo património. Na prática significa que esse património ainda não é do contribuinte embora já pague imposto sobre ele. Por exemplo:

  • A minha habitação vale 100.000€ (da qual devo 90.000€ ao banco) e terei que pagar 800€ de IMI

  • Tenho Obrigações da EDP que valem 100.000€ e terei que pagar 0€ (pagarei apenas IRS à taxa liberatória de 26,5% sobre os juros)

Não seria mais justo o contrário?

 

A eventual fuga de capitais

O argumento normalmente utilizado pelos decisores políticos para não adoptarem medidas deste género é o risco de fuga de capitais. Penso que o controlo que o banco de Portugal poderia assumir seria suficiente para evitar tanto as fugas de capitais como a evasão fiscal ou o enriquecimento ilícito, uma vez que as variações bruscas de património seriam automaticamente detectadas e os contribuintes chamados a explicar essa variação. Um bom sistema e legislação simples mas eficaz a suportar tudo isto resolveriam uma boa parte dos problemas.

 

A justiça fiscal

A justiça fiscal deve reflectir o benefício que cada contribuinte obtém da sociedade onde está integrado e sem a qual esse benefício não seria possível. Obvio que um empresário cria riqueza pelo simples facto de investir numa empresa que cria postos de trabalho, adquire bens, gera lucros. Também é verdade que o empresário corre riscos em investir o seu capital que, se estivesse apenas num depósito a prazo, ou em obrigações do tesouro, estariam mais seguros. Tudo isso deve ser equacionado. Mas também é verdade que é a sociedade envolvente que investe na educação daqueles que serão seus funcionários e nas estradas que permitirão movimentar a sua mercadoria, factores essenciais para que o empresário obtenha sucesso e lucros. É mais do que natural que o seu contributo para com a sociedade seja substancialmente maior do que o comum trabalhador.

Nos Estados Unidos Warren Buffet, o terceiro homem mais rico do mundo, admitiu, num artigo de opinião, que paga menos impostos que muitos dos seus colaboradores e que devia pagar mais. É injusto não pagar mais. Cá em Portugal, infelizmente, um dos homens mais ricos do país afirmou que não se considerava rico, mas sim um trabalhador. Penso que a tendência da sociedade moderna será evoluir para uma melhor repartição da riqueza, sem pôr em causa o prémio merecido pelo risco e pelo esforço que o empresário imprime na economia sendo, sem dúvida, a peça essencial no desenvolvimento da sociedade.